Sandra Eliane Radin
Hoje escutando I Don`t Want to Talk About it de Rod Stuart, as lágrimas escorreram pelo meu rosto sem que eu tivesse controle sobre. Impressionante o que uma música é capaz de fazer. Ela desperta sentimentos e lembranças adormecidas em nós.
Potencializando tudo isso, Vênus esta em trânsito no signo de Capricórnio e, não tem como deixar de sentir na própria carne, as consequências disso. Tudo me afeta, tudo ganha enormes proporções. Tudo me desestabiliza.
Soma-se a isso outros ingredientes que engrossam o caldo desse caldeirão de lágrima, dor, saudade e tantos outros sentimentos que teimam em se mostrar.
Estamos, uns amigos e eu, mobilizados para reunir nossa turma da década de 70 e 80. Tempos difíceis na política, economia e nas nossas vidas. Por mais paradoxal que possa parecer, também um momento de muita cumplicidade e companheirismo entre nós, jovens que vivenciamos tudo o que representou essas duas décadas.
Tempos também de faculdade, política estudantil, DCE, congressos universitários e festas. Muitas festas. Éramos jovens, felizes e penso eu, acreditávamos na nossa imortalidade.
A realidade é bem diferente do que imaginávamos. Cronos nos arrebatou. Levou muitos de nós através da morte ou da própria vida. Transformou nossos corpos e quiçá nossas mentes também. Fez de nós um espectro do que fomos. Já não há a sinergia que tínhamos enquanto grupo. O que restou?
Restou a Maria.., o João…, o Carlos.., a Teresinha…, a Beti, eu e mais alguns poucos. Nomes.., lembranças…, muitas já apagadas do HD de alguns e, outras, jazem esquecidas em um arquivo qualquer. Estamos presentes apenas na memória de alguns. Daqueles que marcaram nossas vidas e também marcamos as suas. Como é bom ser lembrado e como é frustrante quando não sabem quem somos ou ignoram nossa mensagem ou presença.
Me permito afirmar que vivemos ou morremos através das lembranças que deixamos na vida de outras pessoas. Acredito que não tem nada mais triste do que morrer para os outros mesmo estando vivo. Por outro lado, nada mais legitima nossa existência do que saber-se vivo no coração e na memória dos amigos e familiares quando já estivermos partido.
Hora de fazer uma reflexão interna e perguntar o que deixei de fazer e determinou não ser mais lembrado ou, constatar que não tenho a menor idéia do quanto fiz bem a outras pessoas e até tenha servido, em algum momento, de referência e/ou modelo. Essa é a parte boa. Dá a certificação de que não passamos em vão por essa vida.
Gostaria de ter o poder de reter na minha retina todas as pessoas e quaisquer momentos que tive com cada uma delas. De alguma forma, fazem parte de mim, seja na minha história ou nas lembranças que hoje compõem o imaginário do meu viver e se somam ao meu existir.
Esse é um dos ingredientes e o outro , não menos importante, é o processo de mudança, desapego e descarte que estou vivendo. Optei por mudar-me para um lugar menor. Precisei realizar o processo de desapego para permitir que isso fosse possível. Eu não imaginava que teria de me desapegar não apenas do apartamento grande e espaços, de móveis, utensílios e objetos de decoração. A ruptura foi maior do que supunha.
O mais difícil e doido foi desapegar-me de lembranças e crenças que me compunham e me nutriam. Constatar o quanto é dolorido e pesado admitir que algo não nos pertence mais. Entendi que para desapegar-me do material eu não tinha como deixar de olhar e escolher quais lembranças iriam permanecer e quais eu deixaria partir para tomarem lugar no universo como folhas ao vento e, assim, possibilitar a abertura de novos espaços em mim na expectativa de vê-los preenchidos pelo tempo Kairós.
E, nesse bailado de descarte e composição, de despedidas e recomeços, de desencontros e reencontros vi, como num filme, cenas que fazem parte dessa história que não é só minha. É tua. É nossa e permanecerá não só tatuada em nossas memórias mas lembradas pelos livros de história e literatura brasileira. Senão vejamos.
Somos de uma geração que lutou por seus ideais, que acreditou numa sociedade mais justa e igualitária. Fomos forjados pela inquietude. Ainda sou inquieta e estou sempre em busca de novos desafios e outras batalhas. Sou da geração que tomou whisk com guaraná, do Rock in Roll, tropicalismo e bossa nova. Vimos o homem chegar a lua, o milagre brasileiro acontecer mas, também o cerceamento e o controle ideológico.
Fomos nós que realizamos o grande festival de Woodstock em 1969, evento que entrou para a história e até hoje é considerado um divisor de águas. Também fomos nós que enfrentamos o AI5, o Decreto Lei 477, o SNI nas universidades e tivemos que lidar com tantas outras arbitrariedades e patrulhamento de idéias e ideais.
Certo ou errado, lutamos por aquilo que acreditávamos. Sigo lutando pelos ideais que acredito e, através do meu lugar de fala, de velha, tento fazer a diferença nesse segmento tão caricaturado e designado por tantos adjetivos que não nos representam. Ora somos chamados de a melhor idade, ora de terceira idade. Quero gritar, me rebelar pois sou velha, somos velhos e não aceitamos quaisquer outra denominação que inventarem.
Essa foi a minha geração. Geração que vivenciou e atuou em diferentes momentos e movimentos sociais e políticos. Viveu mudanças. Passou por mudanças. Mudou internamente. Mudou externamente. Resistiu e continua aqui.
Continuamos aqui. Dane-se se já não somos jovens e belos. Dane-se se já não acreditamos em tudo. Dane-se por nos lançamos sem pressa pelos caminhos da vida. Ainda somos os mesmos. Temos sonhos e desejos. Exploremos nossas vontades e desejos. Vamos acolher tudo que nos revitaliza e fala da nossa importância no aqui-e-agora porque
A vida é apenas um sopro e a perdemos num piscar de olhos.
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