Sandra Eliane Radin
Era domingo, por volta das 13h, na cidade de Liblijuana, Eslovénia. Esperávamos o micro-ônibus com o guia que nos levaria num tour turístico até Predjama, o castelo incrustado nas pedras, e, na sequência, a Postojna Cave. Estávamos na cidade há pelo menos dois dias e encantadas com a leveza e a alegria dos eslovenos.
Conversávamos quando ouvimos um choro de criança. Era um menino com cerca de quatro anos. Pedalando com força a bicicleta, gritava e pronunciava palavras misturadas ao choro que eram incompreensíveis para nós duas.
Cerca de cinquenta metros atrás do menino vinha um homem, também de bicicleta, alheio aos gritos da criança.
Comentamos entre nós que se a mãe do menino estivesse ouvindo seu choro, já o teria atendido. O garoto seguiu chorando e pedalando na pressa de uma criança que precisa do colo e do carinho materno. Sem diminuir a velocidade, ele se aproximou de uma rótula numa avenida de quatro pistas. Foi aí que percebemos que aquele homem não era o pai. A criança estava sozinha. Corremos e o alcançamos quando ia cruzar a avenida.
Minhas mãos ficaram geladas, minha amiga com o olhar quase que petrificado e ambas com a respiração ofegante.
Tentamos acalmar a criança. A comunicação era difícil, não o entendíamos, mas sabíamos que ele estava perdido procurando sua mãe. Optamos por nos comunicar através da linguagem do afeto e do acolhimento enquanto pensávamos o que fazer.
Iríamos desistir do passeio?
Buscaríamos ajuda policial?
Uma senhora eslovena se aproximou e tentou descobrir onde o menino morava. Ele não conseguiu explicar, só chorava e gesticulava, mas a dor que ele sentia afetou a todas nós.
Ao longe uma moça com um cachorro da raça Lulu da Pomerania nos olhou indecisa, desconfiada talvez. Às vezes penso que a força do meu olhar e o meu chamado silencioso a levou até nós. Eu intuíra que o seu cachorro poderia acalmar o coraçãozinho daquela criança.
Ela se aproximou e alcançou o cachorro para ele. Aos poucos ele foi serenando, suas lágrimas diminuindo e acariciou o cachorrinho. Ficamos no silêncio aguardando que o cãozinho lhe desse tranquilidade para então descobrirmos onde ele morava e para que uma de nós pudesse levá-lo até sua casa em segura.
Como que saída de uma cena de filme, surgiu uma mulher olhando para os lados, agitada, olhar estalado e coçando a cabeça. Nos avistou, quatro mulheres, um cachorro e o menino, e se aproximou. Demos um sorriso e respiramos aliviadas com sua chegada na crença da felicidade do reencontro.
Fomos surpreendidas tanto quanto o menino. A cena que assistimos foi ao contrário da esperada. De forma abrupta, com uma mão o arrancou da bicicleta e com a outra lhe deu uma bofetada vociferando, num misto de raiva e medo, palavras desconexas.
No nosso semblante e no do menino as lágrimas escorreram. A criança pelo safanão e o tapa e, nós, pela dor do menino. Sabíamos que a mãe estava abalada tanto quanto o menino mas vimos a violência falar mais alto.
Pedimos calma para aquela mãe. O menino estava assustado e precisava naquele momento não de agressões ou castigos, mas de afeto, colo e afagos.
Até aquele acontecimento, só enxergava a beleza da Libijuana, a alegria e o calor humano de seu povo. Decepção e tristeza se somaram aos outros sentimentos. Consegui estabelecer um paralelo entre os dois lados da cidade, que é entrecortada pelo rio que lhe dá nome. Imagino que o comportamento agressivo atrás de um sorriso seja um fato isolado.
Ser isso ou aquilo já não importa, quero acreditar que aquela mãe, mais calma, ofereceu colo ao seu filho e o afagou com carinho e desvelo.
O código dos afetos, na maioria das vezes, nos salva. Um afago e um sorriso não têm gramática tampouco declinações. E um abraço traduz toda amorosidade e absorve todas as dores e silêncios.
Esperamos mãe e filho se acalmarem e irem para casa.
Ainda mobilizadas pelo ocorrido, fomos para o passeio contratado. Mas o nosso coração permaneceu naquela rótula.
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