Sandra Eliane Radin
Lábios Ausentes
Minha face se aproxima da tua. Nossos rostos se tocam. Meus olhos possam nos teus. Não consigo me ver refletida neles. Nesse que é o meu oceano particular.
Estarias tu refletido nos meus?
Foram tantas às vezes que me perdi na imensidão do teu olhar e vi refletida tantas faces de mim. Porque já não consigo?
Me aproximo um pouco mais, insisto em me ver através de ti.
Com a mão direita me apoio porque minhas pernas insistem em não me sustentar. Levo minha canhota trêmula até tua face. Preciso te sentir. Te toco, deslizo minha mão até tuas orelhas, busco o calor do teu corpo.
Te sinto distante. Confusa, não consigo raciocinar. Quase perco o controle. Me contenho. Meus reflexos e minha percepção tentam me enganar.
Faço a minha mão alcançar teu coração. Não desvio meu olhar dos teus. Em algum momento terás que me olhar e, então, finalmente me verei refletida em ti.
Meu rosto avança, espero que faças o mesmo.
Paro. Espero.
Porque essa apatia? Esse distanciamento?
Na última vez que estivemos juntos pude sentir no teu beijo a força de teu amor por mim. O que mudou de lá para cá?
Não demonstras reação alguma. Levo meu rosto até o teu. Roço meu nariz no teu.
Segues distante, ausente talvez.
Uma angústia sinistra percorre meu corpo e dilacera meu ser.
Repito o gesto. Meu rosto toca o teu. Avanço um pouco mais, deposito meus lábios nos teus. Os meus, quentes, úmidos e ávidos por sentir o gosto de tua boca, nessa troca silenciosa de amor.
Sempre nossos beijos nos transportavam para outras dimensões com total libertação de possíveis prisões que nos tolhiam. Teus lábios carnudos sempre foram um convite para que eu me entregasse com desejo e paixão.
E agora?
Teus lábios ao contrário do que eu esperava, estão secos e frios. Não me dão espaço. Por mais que eu tente romper o lacre invisível de teus lábios para poder sentir o calor, o sabor de tua boca e o bailado doce que tua língua sempre fez com a minha, serpenteando emoções fortes de cumplicidade amorosa, tu não me dás espaço.
Não esboças reação alguma. Admito pesarosa.
Te beijo mesmo assim. Talvez, tal a Bela Adormecida acordes ao sentir meus lábios nos teus.
Te beijo mais e mais. Não despertas.
Sofro com isso. Não consigo admitir que permaneças nesse sono.
Estou exausta…
Sinto que minhas forças querem me abandonar. Não posso exigir de mim mais do que sou capaz de suportar.
Vou ao limite de mim mesma.
Te seguro com as duas mãos. Te chacoalho, tento te acordar. Te puxo…te trago até mim, até meu peito. Te abraço. Segues não correspondendo.
Um punhal atravessa meu coração.
Dói. Dói muito. Me rasga inteira. Me dilacera sem pudores.
Algo em mim dispara, acelera e eu escuto uma voz. É Caronte que anuncia
_Agora chega, preciso levá-lo.
Não, não… , grito desesperada.
Ele apenas dorme. Já vai acordar_argumento com o barqueiro -.
Não, a Roda de Samsara tem de ser cumprida. O tempo se esvai. O tempo dele findou. Um novo recomeço esta por vir em um outro tempo, na dobra do próprio tempo
_ rebate Caronte
_Teu beijo não o trará de volta. Não agora, talvez no amanhã. Se Samsara assim o permitir._ diz o barqueiro sorrindo, sem piedade alguma.
Choro baixinho.
Reclino minha cabeça, a encosto no teu coração. Já não consigo ouvir as batidas. Teu coração emudeceu.
Seguro tua mão, tento sentir teu pulso. Tudo em vão.
Num átimo te beijo prologando o mais que posso a possibilidade de te resgatar da caverna escura da noite eterna a que foste jogado mas, teus lábios permanecem ausentes.
Um desejo ardente de te devolver o sopro da existência. Uma impotência que me aniquila.
A saudade já me consumindo.
Antes de te deixar, percebo um breve sorriso ser desenhado em teu rosto de mármore e o vento traz até mim teu beijo, tua despedida,
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