Sandra Eliane Radin
Aprendendo com a adversidade
Estava em um cruzeiro. Navegava de Southampton em direção a Kristiansand, Noruega.
Acordei com um chamado interno. Dei um salto. Fui na varanda da cabine do navio. Vislumbrei o reflexo provocado pela lua ao espreguiçar-se sedutora nas águas do oceano atlântico. Parecia me chamar. Queria comigo falar.
Era noite de lua cheia. Ela reinava absoluta no mundo de Zeus e também no reino de Possêidon.
Sendo mulher sou de natureza lunar. Sou tal Afrodite em suas diferentes faces. Pensei em minhas fases lunares. Nessa noite Afrodite encontra-se na cheia. Eu, na minguante.
Ouvi ela me segredar que sua beleza tanto quanto da mulher estão contidas em todas suas faces. Uma depende da outra para existir, ou seja, todas são parte da mesma unicidade.
Fiz uma analogia dos ciclos lunares com os meus ciclos de vida. Da lua nova a lua minguante, da minha infância a vida madura. Desde o momento que sangrei pela primeira vez até o dia que deixei de sangrar.
Foram tantos os caminhos percorridos, tantos vínculos construídos , conquistas e também dissabores, decepções e perdas. Perdas em vida e também perdas pela morte. Todas elas deixando suas marcas de dor e tristeza. Acumulei e tatuei também em mim marcas de belos encontros, de conquistas e descobertas.
Hoje, tal a lua minguante me encontro na última etapa da jornada, na minha face de mulher madura. Já não sangro, já não fecundo. Sou tida pela sociedade patriarcal como terra estéril, sem valor, portanto, descartável.
Não penso assim.
Honro essa minha fase lunar, a minguante prateando meus cabelos e concedendo-me sabedoria. Parei de sangrar. No pacote, o diagnóstico de um câncer terminal.
Reagi, não aceitei essa como verdade derradeira.
Me muni com as armas internas na busca do caminho terapêutico da cura. Aprofundei meus conhecimentos nas questões do feminino, do sagrado. Me encontrei com a minha face de mulher sábia e hoje me vejo transformada numa nova versão de mim mesma.
Sou a Velha Sábia.
Hoje, lido com todas as minhas facetas de forma mais intensa, incluindo a minha sombra.
Me pergunto:
Quais minhas partes se esqueceram de crescer?
Quais partes de mim clamam por ajuda?
Quais se recusam a dar o seu melhor para mim mesma, não para os outros.
Quais partes minhas ainda estão na escuridão, soterradas na caverna?
Tenho procurado destrancar todas as portas das minhas cavernas internas para poder deixar entrar a luz lunar da minha velhice.
Creio que seja esse o mistério, a magia.
Ao penetrar nessas cavernas, na minha própria floresta busco resgatar a minha essência primordial, abro caminho e dou voz à mulher selvagem e sábia que habita em mim. Habita cada uma de nós mulheres.
Assim como Ártemis, a nossa deusa lunar, respeito todas as minhas facetas, luz e sombra. Tudo isso na perspectiva do amadurecimento, das possibilidades que a menopausa nos oferece para reescrevermos nossa história.
Quando sangramos penetramos na caverna menstrual onde nos é propiciando a reflexão de nossas feridas internas. Aprendemos a lamber nossas dores, nos curarmos e nos nutrirmos.
Quando paramos de sangrar continuamos necessitando migrar para lugares distantes, para a nossa própria solidão, para a escuridão da lua que míngua assim como nós. Nos encontramos na escuta silenciosa de nós mesmas.
É nesse lugar, sem voz, sem eco, que entramos em contato com o nosso eu feminino profundo e encontramos a cura e o ancoramento de nossa essência primordial .
Você mulher, anciã e sábia se permita ser mais que cinzas.
Seja brasa, seja fogo, seja a chama que transmuta e dá significado a própria vida. Seja a própria lareira.
Seja a Deusa Héstia iluminando e aquecendo a todos e sendo, principalmente, a representação do eterno combate pela nossa libertação e conhecimento.
E, como muito bem foi dito por Isabel Allende, “o feminino, como o oceano, é fluido, poderoso, é profundo e tem a complexidade infinita da vida; move-se em ondas, correntes, marés e às vezes em tempestades furiosas. Tal como o oceano, o feminismo não se cala.”
Assim falei.
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